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Entrevista do Jornal Rudaw com Fethullah Gulen

Entrevista do Jornal Rudaw com Fethullah Gulen
abril 17
12:21 2016

RUDAW: Em termos de preservação e da educação na língua materna, o que você recomendaria para os povos e para as administrações da região, expondo as ideias de Said Nursi?

Gülen: Como se sabe, Bediüzzaman Said Nursi identificou a ignorância, a pobreza e a desunião/conflitos internos como as principais raízes dos problemas no mundo islâmico em geral e do Leste e Sudeste da Turquia, em particular. Quando ele mencionou a ignorância, ele se referia não apenas à ignorância em assuntos religiosos, mas também nas ciências que exploram o universo. Da mesma forma, ele explicou a desunião em uma perspectiva mais ampla, incluindo cisões entre os clãs da região. Considerando o fato de que os problemas como a pobreza e os conflitos estão enraizados principalmente na ignorância, Bediüzzaman dedicou-se enormemente na criação de uma universidade, que seria nomeada Medrese-tuz Zahra, na província de Van. Propondo um nome feminino para a universidade refletia suas expectativas em termos de produtividade. Ele tinha esperanças que escolas semelhantes pudessem ser estabelecidas em cidades vizinhas, como Bitlis, Urfa e Diyarbakir.

Bediuzzaman identificou a fundação dessa universidade como um dos principais objetivos de sua vida. Duas características desta universidade foram de suprema importância. A primeira foi expressa de forma sucinta na seguinte declaração: “A luz da consciência é o conhecimento religioso. A glória da mente é a ciência moderna. Quando estas duas coisas se unificam, a verdade aparece e, assim, a paixão do aluno é capaz de voar com essas duas asas. Se elas entram em conflito, no entanto, a primeira dá à luz ao fanatismo e a segunda leva à manipulação e à desconfiança.” Assim, Bediuzzaman considerou essencial a educação tanto da religião como das ciências.

O segundo aspecto marcante em seu modelo da Medrese-tuz Zahra foi o caráter multilíngue da universidade. Ele sugeriu que o árabe fosse obrigatório, o curdo deveria ser permitido e, o turco, necessário. Como todos sabemos, todas as grandes civilizações têm uma linguagem comum na ciência. Por exemplo, a linguagem científica da civilização cristã é o Latim. Também podemos dizer que o Inglês é a língua comum – científica ou não – no mundo moderno de hoje. Para a civilização islâmica e da ciência, a língua franca é o árabe. Considerando também que o árabe é essencial para o Alcorão e os Hadices, Bediuzzaman mencionou o árabe como língua de instrução obrigatória em tal universidade modelo, podendo ser replicado, atraindo estudantes de todo o mundo muçulmano. Ele sugeriu o turco por uma variedade de razões, incluindo a ampla utilização na comunicação em toda a Turquia, o endosso por um grande número de pessoas, melhor desenvolvimento como uma linguagem em comparação com o curdo devido a circunstâncias históricas e o fato de que a elite otomana, que governou o país, era de origem turca. As línguas são a Sabedoria de Deus e um sinal de Sua Unidade, semelhante a raças, cores, clãs e tribos; e assim, cada nação tem sua própria linguagem. Deus não fez essas diferenças como uma razão para disputas um com o outro; em vez disso, essas diferenças devem trazer reconhecimento, assistência e solidariedade, semelhante a um sistema em que diferenças na ocupação implicam unidade, assistência e solidariedade.

Além de expressar tal sabedoria divina, Bediuzzaman mostra a importância do aprendizado e o ensino da língua nativa em seus vários escritos. Por exemplo, ele descreveu como o uso da língua materna é um método natural na educação, dizendo: “Como a língua materna é tão natural, as palavras fluem em sua mente, não necessitando de um convite.” Aprender e ensinar línguas nativas estão entre os direitos humanos universais. Proibir o uso de línguas vernáculas é certamente uma forma de opressão, assim como é contra a natureza. E é por isso que tal proibição não persistiria por muito tempo. Este raciocínio era a lógica de Bediuzzaman quando ele colocou o curdo como uma língua de ensino na Medrese-tuz Zahra, além do árabe e do turco.

Certamente, a todos os grupos deve ser permitido utilizar os seus próprios idiomas. Da mesma forma, as divisões baseadas em raças, cores, tribos e clãs estão erradas, não podem ser aceitas. E, como o racismo é não-humano, e, de fato, um crime contra a humanidade, as línguas não deve ser um motivo de profundas divisões; em vez disso, elas devem contribuir para o reconhecimento, assistência, solidariedade e harmonia.

Portanto, a educação na língua materna é um direito que todos os Estados devem reconhecer, em princípio, porque o Estado tem de ser justo com todos os seus cidadãos. Os problemas que podem ocorrer na prática, merecem um tratamento especial. Por exemplo, para proporcionar uma educação como tal, o Estado deve ter professores proficientes que são capazes do ensino nessa língua em número suficiente. Isso porque, se o quadro de professores não for capaz de fornecer a educação naquela língua, o resultado será o oposto, independentemente das boas intenções.

Devo enfatizar que os pais curdos devem certificar-se de que os seus filhos irão aprender turco também. Em todos os lugares ao redor do globo, comunidades que não falam a língua oficial de seus países enfrentam problemas significativos. Em geral, elas são deixadas para trás quando comparadas a outras comunidades em termos socioeconômicos. Pense sobre a primeira geração de turcos na Alemanha, que não falavam bem alemão, ou a população hispânica nos Estados Unidos, que estão lutando com o inglês. Se os nossos cidadãos curdos ensinarem inglês e árabe a seus filhos, além de turco, isso seria muito benéfico para o futuro deles.

Por outro lado, as diferenças de língua e etnia como fonte de conflito não têm lugar na nossa história cultural. Diz o Nobre Alcorão: “Ó, humanidade, na verdade Nós vos criamos de um homem e de uma mulher e fizemos vocês povos e tribos diferentes para que vocês pudessem conhecer um ao outro. Na verdade, o mais nobre dentre vocês aos olhos de Allah é o mais justo.” (49:13). Bediuzzaman interpretou este versículo como: “Isso é, eu vos criei como povos, nações e tribos, para que vocês pudessem conhecer uns aos outros e as relações entre vocês na vida social e para ajudar uns aos outros; não para que você considere uns aos outros como estranhos, recusem-se a reconhecer um ao outro e alimentem hostilidade e inimizade.” (26ª. Carta, Cartas). Explicando o mesmo verso em outro momento, ele afirma, “o despertar nacionalista pode ser positivo se for baseado na compaixão pelos seres humanos, e, assim, facilita o reconhecimento e a assistência mútua. Tal despertar, no entanto, é destrutivo quando se baseia na ganância racial, o que causa obstinação e negação do outro. O Islam rejeita a última forma.”

No ano de 2009, quando as relações da Turquia com o Curdistão Iraquiano estavam bastante tensas, você enviou uma mensagem para a conferência da Plataforma Abant, em Erbil, cheia de esperanças para o futuro. Quando você olha para trás, para as suas observações esperançosas, em que ponto nós situamos hoje? Poderia, por favor, ser mais específico?

Não apenas nós como turcos, assim como nossos irmãos curdos e o Curdistão iraquiano, o mundo islâmico em geral, experimentamos os mais angustiantes e dolorosos tempos, o que talvez tenha sido o caso nos últimos séculos. Em todos os lugares os problemas são os mesmos: ignorância, pobreza e conflitos internos. Além disso, alguns outros problemas têm persistido: desesperança; dolo, fraude e desconfiança recíproca; inimizade e oposição fanática; opressão da liberdade de pensamento, bem como da vida social, econômica e política; tirania e despotismo e, consequentemente, o bloqueio do progresso intelectual, científico, social, econômico e político, obstrução do desenvolvimento individual e priorização de interesses egoístas.Estes problemas são agravados por aqueles que não querem ver um mundo muçulmano mais desenvolvido ou querem ver essas nações lutarem por seus interesses egoístas. É altamente questionável se nós – como árabes, turcos, curdos, persas e outros – reconhecemos nossos problemas, incluindo as causas e o caminho para as soluções.

E, no entanto, a desesperança bloqueia toda a ação positiva, para todos os tipos de desenvolvimento e progresso. Portanto, certamente, estamos otimistas e esperançosos sobre nosso futuro no sentido pleno. Desesperança significa nada mais que um conforto frio. Então, eu oro para que tal esperança será firme e forte para lutar: 1) Pela transformação de nossa ignorância atual em conhecimento e progresso científico; 2) Pela transformação da nossa pobreza em uma capacidade de reivindicar o potencial tanto da riqueza da superfície quanto subterrânea de nossas terras; 3) Pela transformação da nossa experiência da opressão em liberdade – que é baseada em um equilíbrio delicado entre os nossos direitos e responsabilidades – bem como por uma cultura social e política reconhecida, em que nem dizemos amém aos tiranos nem nos tornamos déspotas com os vulneráveis; e, finalmente; 4) Por fazer dos interesses individuais subservientes a nossa felicidade coletiva.

A mensagem que você mencionou foi enviada há quatro anos. Espero que a reunião da Plataforma Abant tenha tido resultados construtivos; eu, pessoalmente, posso dizer que passos importantes foram dados desde então. Embora muitas coisas ainda estejam por fazer, circunstâncias históricas, se Deus quiser, mostram que iremos desenvolver fraternidade e relações de vizinhança na região. Tanto quanto eu posso perceber, os centros de educação, o ativismo da mídia e as iniciativas acadêmicas/intelectuais no Curdistão iraquiano levarão nossas relações a um novo estágio. Na realização desta (parceria estreita), muitos deveres significativos recaem sobre os ombros dos centros de educação, dos homens de negócios e, especialmente, dos meios de comunicação.

Além disso, acredito que o trabalho duro, a honestidade, a confiança recíproca, a moral em todas as suas formas, amor pelo amor, a inimizade pela inimizade, a consulta, a colaboração, a assistência, a irmandade, a solidariedade – sim, todas essas características – não são os únicos fundamentos essenciais para o nosso futuro como curdos, turcos, árabes, persas e outros muçulmanos; pelo contrário, são fundamentos essenciais para o futuro de toda a humanidade, em um mundo globalizado.

As escolas do Hizmet inspiradas nos seus ideais são ativas no Iraque e no Curdistão desde 1994 e são muito apreciadas pela população local. Recentemente, tivemos algumas alegações de que essas escolas estão “fazendo propaganda ideológica”. Você tem alguma agenda ideológica? Qual sua opinião sobre isso?

Se você olhar para a história, não existe um único projeto humanitário que não tenha sido acusado de impor uma determinada visão de mundo. Mesmo iniciativas e projetos que enfatizavam valores universais, tais como o trabalho duro, honestidade e altruísmo foram acusados de doutrinação por algumas pessoas. Por mais de meio século, tenho estado em meio aos meus concidadãos, com os meus sermões, conversas, palestras, escritos e visitas pessoais. E, durante décadas, eu sempre fui vítima dessas acusações. Por outro lado, em parte por sugestão minha, os nossos concidadãos têm ido a todos os lugares e estabelecido instituições de ensino em quase todos os cantos do mundo. Hoje, eles dizem, as escolas estão ativas em mais de 140 países. Estes são países com diferentes línguas, religiões, visões de mundo, ideologias, histórias, tradições, raças e cores. Ainda que contra alguns desses países, nós havíamos travado séculos de guerras. Além disso, a maioria das pessoas que contribuíram para a abertura dessas escolas e aquelas que trabalham nelas são muçulmanas, e eles não precisam esconder que o são. Os países são sensíveis sobre essas escolas; monitoram de perto para ter certeza de que eles não fazem propaganda ideológica. Esta sensibilidade é intensificada por esses radicais que exploram o Islam e o envergonham. Se houvesse alguma ideologia desviante ou propaganda, não poderia permanecer em segredo – especialmente nestas circunstâncias sensíveis e, especialmente, em um mundo onde a vida privada dos indivíduos são monitoradas e os serviços de inteligência têm capacidades extraordinárias. Se não houve nenhum traço de evidência em mais de cinco décadas para provar tais acusações, o que eu posso dizer? Eu aceito a sua inteligência elevada e da sua consciência como o juiz. Você decide, por favor.

Além disso, o próprio termo “propaganda ideológica” não existe no nosso repositório conceitual. O movimento Hizmet visa o aperfeiçoamento moral, a construção e a manutenção da paz, promovendo a educação de uma classe mundial para recuperar o atraso com o mundo desenvolvido, respeitando os costumes locais. Estes objetivos são os mesmos no Iraque e no Curdistão. O conceito de “propaganda ideológica” é estranho para nós; nós não o conhecemos. Não é muito fácil de justapor propaganda ideológica com o que estamos fazendo em termos de resolução de conflitos, diálogo, construção de consensos, preparação do terreno para inovações científicas e tecnológicas e promoção da paz e da segurança.

As escolas do Hizmet estabeleceram relações estreitas com as autoridades locais; seus currículos foram aprovados; elas levaram a cabo as suas atividades sob a inspeção das autoridades de cada país onde estão localizadas, e de forma transparente. Além disso, cada país acompanha o que se passa nessas escolas na forma da lei. Eles não tolerariam alguma coisa que trouxesse danos a sua população. Portanto, acusações infundadas a essas instituições – que foram estabelecidas com os esforços e sacrifícios de milhares de pessoas – com abordagens conspiratórias, seria injusto e ilegítimo.

No meu conhecimento, as escolas Hizmet no Curdistão iraquiano proporcionam uma educação que combina a preservação das culturas locais com a integração com o resto do mundo. A este respeito, atividades como o Festival Curdo mostram que os programas dessas escolas estão longe de seguir qualquer tipo de doutrinação e de imposição ideológica. A verdade é que a simpatia e clarividentes atitudes das autoridades locais têm desempenhado um papel importante na abertura e manutenção dessas escolas. Nossos amigos curdos, com quem temos sido parceiros na fé, assim como em tempos de alegria e tristeza, têm ignorado rumores infundados e abraçado essas escolas, que saíram do seio limpo da Anatólia e cresceram nos territórios curdos. Mais uma vez, eles provaram a nossa fraternidade histórica.

Você acha que a crescente amizade entre turcos e curdos está no nível desejado? Se não, o que deve ser feito para que as relações sejam fortalecidas?

Nós temos a mesma fé, acreditamos no mesmo Deus. Nossa comida vem do mesmo Mantenedor; vivemos no mesmo solo e sob o mesmo Sol. Nós respiramos o mesmo ar. Nós temos a mesma religião, o mesmo destino e a mesma história. Nós existimos no mesmo tempo presente e, muito provavelmente, teremos um futuro comum. Como turcos e curdos, estamos em toda parte da Turquia, espalhamo-nos conjuntamente por todo o país. Em um mundo cada vez mais globalizado dos avanços revolucionários nos transportes e na comunicação e em um mundo que está evoluindo para uma grande aldeia, os países europeus que travaram guerras intermináveis no passado têm se reunido e até mesmo buscado a unidade política. É assim que o mundo é, e nós sabemos que nascemos como turcos e curdos, independentemente dos nossos desejos pessoais. Dado o fato de que não está em nossas mãos ser um turco ou um curdo, não é absurdo discriminar as pessoas com base em sua identidade turca ou curda ou com base na língua que falam? Não seria prejudicial a todos nós?

A nossa geografia tem sido sempre aquela em que diferentes religiões e culturas viveram juntas em paz. Ao longo da história, turcos e curdos foram interligados e experimentaram a felicidade comum, bem como a tristeza. Estudiosos como Ahmad Khani, Mulla Jezeri, Mulla Khalid Baghdadi, Salahaddin e Bediuzzaman Said Nursi contribuíram imensamente para a coexistência pacífica dos turcos, curdos, árabes e outros povos da região. O Sr. Masoud Barzani menciona os desejos de seu pai (Mulla Mustafa Barzani) de vez em quando: “Tenha um bom relacionamento com os turcos, não crie problemas para eles e esteja com eles.” Estas palavras que expressam os sentimentos mútuos de ambos os lados são extraordinariamente importantes.

Nos últimos 100 ou 150 anos, as relações entre os dois povos foram desgastadas, mas ainda são fortes o suficiente para suportar essas tensões. A recepção do povo da Anatólia durante a grande migração Peshmerga acelerou a normalização das nossas relações. Eu derramei lágrimas dolorosas tanto para Halabja e Al-Anfal e eu não estou sozinho nisso. O povo da Anatólia sentiu a dor como se fosse o seu próprio povo.

Num momento em que as nossas relações começaram a crescer mais fortes, devemos evitar a adoção de uma abordagem exclusivamente orientada para a segurança em relação aos problemas existentes. Em vez disso, devemos fortalecer os laços culturais e históricos a tal ponto que eles nunca se desfaçam. A este respeito, a Turquia deve não apenas dotar os seus próprios cidadãos curdos com seus direitos e liberdades devidos, mas também estender a mão aos curdos que enfrentam problemas em outras partes do mundo. Deve defender os direitos dos curdos, que enfrentam problemas políticos, religiosos ou étnicos, manifestando-se em várias organizações internacionais, especialmente nas Nações Unidas, em nome da justiça. Eu acho que todos os esforços são significativos e dignos de nota, a fim de trazer de volta a nossa unidade e evitar conflitos.

Essas questões, no entanto, não devem se limitar à esfera política. Os esforços para encontrar soluções não devem apenas ficar a cargo dos governos e dos políticos. Em vez disso, todas as entidades e pessoas, incluindo ONGs, empresários, educadores, líderes de opinião, estudantes e a Direção de Assuntos Religiosos devem fazer o seu melhor para consolidar a nossa união. Temos de construir mais pontes e ficar longe de qualquer tipo de atitude antagônica, que irá criar nada mais que conflito. Os turcos devem se apressar para encontrar soluções para os problemas dos curdos antes mesmo dos próprios curdos e, os curdos devem permanecer ao lado de seus irmãos turcos. Atualmente as nossas relações podem ser limitadas à educação, mas elas têm a capacidade de melhorar por razões acadêmicas, culturais e econômicas. A Turquia pode ser a porta para os curdos se conectar com o mundo em geral.

Recentemente, vimos que as fronteiras de Misak-i Milli (o Pacto Nacional) está na agenda da Turquia. Qual é a sua opinião sobre isso? Se é algo viável ou não.

Eu não sou um político, um estadista ou um especialista em relações internacionais. Eu estou tentando caminhar junto com meus colegas e fazer minhas humildes contribuições em um movimento cívico que enfatiza a moral e os valores humanos comuns. Por isso, faria mais sentido se os estadistas dos países relevantes falassem sobre as fronteiras da região.

No entanto, devo dizer que os passos que a Turquia tem tomado a fim de evitar maiores problemas com os vizinhos, bem como a política externa introvertida – destinadas apenas a reforçar as relações com o Ocidente – têm sido interpretados erroneamente. A época em que os países conquistavam outras terras apenas para estender suas fronteiras é passada; as fronteiras já foram determinadas pelo direito internacional. Em tais circunstâncias, não parece lógico para a Turquia considerar estender suas fronteiras, quando o país precisa agir coletivamente com os seus vizinhos. Por exemplo, a cidade de Batumi, na Geórgia, estava dentro das fronteiras determinadas pelo Pacto Nacional. Hoje, a Turquia tem boas relações com a Geórgia. Os cidadãos não precisam nem de passaportes para atravessar as fronteiras. Em uma situação como essa, trazendo o Pacto Nacional à ordem do dia e com o objetivo de anexação de Batumi, só prejudicaria as relações entre os dois países. Aqueles que trazem essas questões devem considerar que tipo de problemas essa retórica pode causar entre os vizinhos.

Ideais que não levam em conta as realidades não podem passar de fantasias e ilusões. Estamos vivendo num mundo globalizado; as questões de qualquer região estão se tornando mais e mais relevante para outros países ao redor do globo e estão sendo acompanhadas de perto. O Oriente Médio, onde o coração do planeta bate, toma cuidado especial e preciso. Na minha humilde opinião, a unidade dos corações, o amor mútuo, a boa vontade e a fraternidade sincera substituem os impactos da ambição política. Assim, a primeira coisa que devemos fazer é nos concentrar em tal unidade. Temos de identificar os nossos objetivos dentro de nossas próprias realidades. Devemos ser extremamente cuidadosos ao nos inclinarmos em direção às metas (ou a ser canalizados nesse sentido), que acabaria por trazer uma catástrofe para os povos da região. Essas tendências têm o potencial de transformar a região em um pântano de conflitos armados. Nesse caso, vamos perder tudo o que nós ganhamos como os povos da região.

Assim, por cerca de um século, o Pacto Nacional tem sido percebido como um ideal por algumas pessoas e uma utopia irrealista por outros. O que realmente importa, no entanto, é a suspensão das fronteiras que separam nossos corações e o estabelecimento das ligações diretas de comunicação entre os nossos corações.

Há um processo de paz em curso na Turquia. Vemos que ambos, os curdos e os turcos apoiam este processo. Você poderia compartilhar suas opiniões sobre os esforços desses povos em viver juntos e em paz? Como pode a cultura de coexistência pacífica ser estabelecida no Oriente Médio em um momento em que mais precisamos?

É impossível não apoiar os esforços que visam impedir as lágrimas e o derramamento de sangue na região. É fundamental ser construtivo e deixar a dor do passado para trás.

É também crucial abster-se de fazer parte de qualquer tipo de conflito, luta ou provocação que se baseie em motivos étnicos ou sectários. As pessoas devem ter cuidado para não alimentar o ódio e provocar ideologias separatistas. Como eu tentei responder na quarta pergunta, os fatores que sustentam a unidade e a aliança entre nós devem ser promovidos. Oportunidades existentes devem ser utilizadas, assim como temos de buscar outras novas. Qualquer oportunidade de solidariedade, filantropia e união, com uma base cultural e econômica, deve ser posta em prática. Povos, bem como as instituições que os representam, devem promover e popularizar projetos e atividades que fortaleçam a unidade e a solidariedade. Uma vez que tais atividades são realizadas pela sociedade civil, orientarão as autoridades da região.

Especificamente, as instituições de ensino e sociedade civil desempenham um papel importante na aplicação de uma cultura unificadora. A educação tem um papel específico na geração de valores sociais que impedem conflitos materiais. Ao contrário da nossa experiência nos dias de hoje, os povos da região têm uma longa e profundamente enraizada na história e tradição de coexistência pacífica. Os curdos, turcos, árabes, cristãos, muçulmanos e judeus viviam em paz juntos. Precisamos de modelos educacionais e de uma cultura de sociedade civil que redescubra e coloque em prática os valores que facilitaram essa união. A coexistência pacífica será mais viável se os jovens puderem encontrar um sistema educacional satisfatório em que não precisem recorrer à violência, à guerra ou ao terror; e, portanto, a educação será uma forte alternativa à violência.

Dito isto, as instituições de ensino estabelecidas pelo movimento Hizmet adotam um modelo que fornece exemplos de convivência pacífica, independentemente da religião, da língua, da raça, da seita ou da etnia. Na maioria dos casos, os filhos daqueles que estão em lados contrários são educados nas mesmas escolas, nas mesmas classes e laboratórios, graças a esses professores que estendem suas mãos misericordiosas a eles de forma igualitária. Nessas escolas, os alunos respiram a própria atmosfera de paz. Esperamos que eles coloquem os valores que recebem nessas escolas em prática. O movimento Hizmet promove a coexistência pacífica de diferentes grupos e indivíduos e apoia a consolidação desses valores para realizá-la.

Como uma realidade do dia, a modernidade traz questões e problemas na irmandade dos povos. O que pode ser feito para minimizar os danos e melhorar a fraternidade já danificada?

Pode haver algum dano proveniente de modernidade, mas provavelmente ela coloca muito mais oportunidades em nossa frente. “As pessoas são inimigas daqueles que não conhecem.” Costumávamos ter problemas antes; Os árabes não conheciam os turcos bem o suficiente; Os turcos não conheciam os curdos bem o suficiente, etc. Na batalha de Gallipoli, muitos soldados muçulmanos lutaram contra nós sem saber contra quem eles estavam lutando. Este é um bom exemplo de como as pessoas podem ter animosidades devido à falta de conhecimento. No entanto, graças à modernização, nós nos conhecemos melhor. Não faz sentido se opor à modernidade que não dá fruto. Avanços científicos e tecnológicos definem as tendências e trazem muitas oportunidades em termos de construção de melhores relações com os outros e consolidam os motivos de solidariedade e fraternidade. Este pode ser o caminho para compensar o dano que a modernidade traz.

Por outro lado, a modernização promove o individualismo e coloca os direitos individuais antes das obrigações. Quando há um problema, no que diz respeito aos direitos, a modernização apoia a ideia de desistir das obrigações até que o problema seja resolvido. Na prática, isto conduz a um tipo de círculo vicioso. Em nossa cultura, somos ensinados a ser descontraídos. Quando tal atitude generaliza-se na sociedade, criam-se terras férteis, um círculo maior de bondade. O sucesso do mundo ocidental depende de uma concorrência, ao passo que as culturas orientais têm como objetivo atingir o mesmo alvo, ajudando um ao outro em tranquilidade, sem conflitos. Devemos promover o renascimento de tais atitudes em nossas sociedades.

Qual é o papel da sociedade civil no sentido de facilitar o processo de paz em curso nas sociedades turcas e curdas? Quais são as suas recomendações?

Eu acredito que a sinceridade e o respeito mútuo são cruciais, assim como uma característica expressa em um Hadith do Profeta (saas): desejo para os outros o que desejamos para nós mesmos e evito atos que não gostaria de que acontecessem a nós mesmos. Além disso, escolher outras pessoas antes de nós mesmos – uma característica importante dos habitantes de Medina, que também é elogiada no Alcorão – ajudar-nos-á a superar o ódio. Organizações da sociedade civil turcas e curdas podem contribuir muito para a paz, fornecendo os motivos para os valores acima mencionados e facilitando com que as pessoas a abracem [a paz]. Por essas razões, as pessoas podem se unir e formar uma espécie de unidade duradoura. Isso é possível e os esforços devem ser orientados nesse sentido.

Além disso, evitar atitudes ofensivas, tanto no discurso como na prática, abraçando as pessoas de uma forma inclusiva e ser paciente são de extrema importância. Todo mundo precisa agir com cautela e prudência e ficar alerta contra provocações. Devemos reconhecer que os problemas não podem ser resolvidos gritando uns com os outros ou com slogans. Aqueles que querem resolvê-los e, assim, evitar conflitos devem fornecer relatórios, declarações e textos bem pensados. As questões devem ser pensadas com razão, perspicácia e clemência, não com raiva ou com ataques violentos.

Beneficiando-se do reestabelecimento lento da atmosfera de segurança na região, é necessário que haja melhoria das relações econômicas, sociais, culturais e espirituais, especialmente na educação. Para este fim, os projetos conjuntos devem ser promovidos, especialmente aqueles que são chamados de Pontes do Coração, que se estendem de leste a oeste e vice-versa. As capacidades existentes e os objetivos destes projetos devem ser melhorados.

Além disso, é de crucial importância tornar as regiões dominadas por curdos em centros de atração, com especial ênfase na educação. Na verdade, a resolução de problemas relacionados com a educação vai ajudar a resolver muitos outros problemas ao mesmo tempo. Os desempregados, despojados e sem instrução sempre se perceberam como cidadãos de segunda classe. No entanto, as pessoas destas regiões são realmente muito inteligentes e seus ancestrais foram fundadores de grandes civilizações do passado. Precisamos levá-los para fora da atmosfera psicológica negativa e do eventual complexo de inferioridade em que alguns estão presos. Enquanto trabalhar por essa causa, devemos abster-nos de ferir os sentimentos do outro e respeitar os princípios da fraternidade e da igualdade.

A este respeito, gostaria de destacar o seguinte: devemos sempre lembrar que os direitos humanos e as liberdades são concedidos por Deus e que não podem ser tirados de nós. Não são as pessoas que nos concedem essas coisas, então ninguém pode levá-las embora. As pessoas são todas iguais; todas, incluindo até mesmo os profetas, são iguais em termos de qualidades humanas e por serem criadas por Deus. Sem reconhecer essa igualdade, ninguém pode administrar a justiça. Não devemos deixar que nossas palavras, atos e comportamentos deem a impressão de que estamos fazendo um favor. Não devemos ver ou usar estes direitos e liberdades fundamentais com o objetivo de negociação em face de outros valores. Qualquer outra forma que está fora dos limites legais, qualquer coisa que não é aceita pelo direito internacional e, especificamente, a violência, deve ser evitada a todo custo.

  • Entrevista feita por: REBWAR KERIM
  • Foi publicada [na revista] Rudaw, traduzido para o Sorani, em 29 de junho de 2013
  • Traduzida para o português por Eloise Elemen em 14 de abril de 2016
  • Revisada a tradução de português por Mustafa Goktepe em 16 de abril de 2016

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