Situação no Egito é desafio para a língua portuguesa
O golpe militar contra Mohamed Morsi no Egito e a subsequente perseguição a integrantes da Irmandade Muçulmana e de seu braço político, o Partido Liberdade e Justiça, exige que os dicionaristas brasileiros façam adequações urgentes à língua para facilitar o entendimento de análises e reportagens sobre o que está ocorrendo.
Tornou-se comum afirmar, em português, que grupos como a Irmandade Muçulmana são “islâmicos”, “islamitas” ou representantes do “islamismo”.
Essas três palavras têm, basicamente, os mesmos significados. O dicionário Michaelis, por exemplo, afirma que o islamismo é “a religião muçulmana”. O islamita, por sua vez, é a “pessoa que segue o islamismo”. Algo islâmico, diz o dicionário, é uma coisa “relativa ao islamismo”.
Por essas definições, comuns a todos dicionários brasileiros (que eu consultei), não só movimentos como a Irmandade Muçulmana cabem nessas classificações, mas qualquer pessoa ou grupo relacionado ao islã, a religião cujo profeta é Maomé e o livro sagrado, o Corão. É uma definição abrangente demais, e portanto imprecisa, para tratar a realidade do Oriente Médio.
A Irmandade Muçulmana é representante de um movimento que poderia ser mais precisamente definido em português como islã político. É um tipo de pensamento surgido no século XX, em meio à independência dos países árabes (décadas de 1940-1960), segundo o qual “a religião é um sistema que poderia resolver qualquer problema político, econômico ou social criado pela modernização”¹.
As definições de islã político variam, mas Robin Wright delimita quatro “denominadores comuns”² a esses movimentos: a rejeição à teocracia (como as do Irã e da Arábia Saudita); a renúncia às táticas terroristas pela maioria dos grupos (Hamas e Hezbollah são exceções); a existência de vasto espectro ideológico; e o fato de todos serem pressionados a dar prioridade à realidade em detrimento da religião.
Simplesmente usar o termo islã político não é suficiente. Seria interessante a língua portuguesa fazer adequações para colocar o debate nos mesmos termos tratados na maioria dos outros idiomas importantes, como o inglês e o francês, nas quais islamism e islamisme, respectivamente, são sinônimos de islã político, além de acrescentar ao léxico o termo islamista (islamist; islamiste), hoje não existente, para definir os seguidores do islã político e seus movimentos.
¹ ROY, Oliver. Islam: The Democracy Dilemma. In: WRIGHT, R (editora). The Islamists are Coming – Who they really are / Robin Wright. – Washington, D.C.: Woodrow Wilson Center Press, 2012
² WRIGHT, R (editora). The Islamists are Coming – Who they really are / Robin Wright. – Washington, D.C.: Woodrow Wilson Center Press, 2012
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