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Protestos do Parque Gezi e o sonho de uma Turquia diferente

Protestos do Parque Gezi e o sonho de uma Turquia diferente
maio 30
12:15 2018

Em 2013, centenas de milhares tomaram as ruas da Turquia para protestar contra as políticas autoritárias de Erdogan. A lembrança daqueles dias ainda está presente na atual campanha eleitoral presidencial. Gaye Boralioglu olha impotente para a Praça Taksim Gezi, em Istambul. Da esquerda vem um barulho incessante de construção. Pedreiros trabalham incansáveis numa grande nova mesquita. Em frente, o Centro Cultural Atatürk – uma antiga casa de ópera e, por muitos anos, símbolo da Turquia que ansiava ser Europa – está sendo demolido.

“Depois dos protestos do Parque Gezi, eles destruíram tudo por aqui”, conta a escritora. “As ruas, as árvores que havia antes. Só sobrou concreto”. De fato, pouco sobrou que pudesse evocar os protestos em massa ocorridos lá, no coração da metrópole, cinco anos atrás.

Na época, numerosos cidadãos de Istambul tomaram as ruas para protestar contra o então primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan. “Os protestos de Gezi tinham uma energia muito especial. Tratava-se de uma rebelião, mas também de humor, era a nossa esperança de uma sociedade diferente”, lembra Boralioglu.

Muito mais do que um mero parque

Os protestos no início do verão de 2013 reuniram centenas de milhares, em todo o país, contra o caráter cada vez mais autoritário do governo de Erdogan e do islâmico e conservador Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP). Liberais de esquerda, nacionalistas, fãs de futebol, curdos, mulheres de véu, todos saíram às ruas.

Os protestos foram desencadeados pelos planos de construção do governo no Parque Gezi, a pequena área verde nos arredores da Praça Taksim. Erdogan queria reconstruir um quartel otomano que fora demolido em 1940, para incluir um shopping center.

Os manifestantes ocuparam o parque espontaneamente. De suas tendas, eles faziam vigílias de de 24 horas. Gaye Boralioglu também comparecia regularmente. “Eu revi muitos velhos amigos. Num canto, as pessoas cozinhavam juntas, no outro, dançavam. Todos se ajudavam, sem dinheiro. Estávamos felizes.”

Durante semanas, os ativistas do Parque Gezi resistiram, desafiando canhões de água e gás lacrimogêneo. As imagens foram transmitidas para todo o mundo, assim como as palavras do primeiro-ministro Erdogan, que descreveu os manifestantes como “vândalos” e “terroristas”.

“Conspiração contra a Turquia”

É difícil dizer qual era a dimensão do apoio ao movimento Gezi. De acordo com uma enquete do instituto de pesquisa de opinião Konda, 40% dos entrevistados viram os protestos como uma “luta democrática pelos direitos civis e pela liberdade”, enquanto mais de 50% os consideraram uma “conspiração contra a Turquia”. Segundo Konda, essa visão era particularmente difundida entre os eleitores do AKP.

Boralioglu escreveu sobre suas lembranças pessoais daquele tempo. Um de seus contos foi traduzido para o alemão. “Homens armados de uniforme, agora em veículos poderosos, atacam as pessoas”, escreve. “Eles lançam jatos d’água contra seus corpos fracos, enevoam o mundo todo com gás, até que todos estejam acabados.”

Os heróis de Boralioglu são cidadãos destemidos, homens e mulheres, adolescentes e aposentados, que se opuseram ao poder do Estado. “As pessoas posicionam seus corpos como escudos contra os homens armados. Elas estão avançando. Elas estão marchando, apesar do gás, névoa e fumaça. Elas riem e continuam.”

“Nossas canetas continuam escrevendo”

Durante a repressão policial para acabar com os protestos, pelo menos cinco pessoas foram mortas e mais de 8 mil ficaram feridas. Desde então, a polícia segue vigilante na área. São proibidas manifestações antigovernamentais na Praça Taksim, até mesmo marchas pacíficas menores são rapidamente dispersadas.

E Erdogan, agora presidente da Turquia, expandiu seu poder ainda mais. Desde o golpe militar frustrado em 2016, centenas de milhares foram presos ou perderam o emprego. Muitos artistas, acadêmicos e intelectuais deixaram a Turquia e agora vivem na Alemanha, Holanda, França.

Gaye Boralioglu decidiu ficar. “Sim, alguns de nós estão na prisão. Muitos perderam seus empregos e outros foram exilados. Mas não desistimos. Temos nossos pensamentos e nossas canetas, vamos continuar a escrever. Não queremos que nossos filhos aprendam o que aconteceu neste país com os livros de história censurados, mas sim com nossas histórias e nossos livros”.

Gaye Boralioglu decidiu ficar. “Sim, alguns de nós estão na prisão. Muitos perderam seus empregos e outros foram exilados. Mas não desistimos. Temos nossos pensamentos e nossas canetas, vamos continuar a escrever. Não queremos que nossos filhos aprendam o que aconteceu neste país com os livros de história censurados, mas sim com nossas histórias e nossos livros”.

Esperança nas eleições

As eleições na Turquia se realizam em cerca de quatro semanas, e Erdogan pretende ser confirmado como presidente. Se ele ganhar a votação, as emendas constitucionais de grande alcance que aprovou em referendo no ano passado entrarão em vigor.

A Turquia então se tornaria um sistema presidencialista, e Erdogan um chefe de Estado com poderes quase ilimitados. Ainda é incerto se a oposição será capaz de detê-lo.

Mas Boralioglu não perdeu a esperança. “Gezi era um sonho, era a respeito da humanidade. Nós vivemos esse sonho uma vez, por que não de novo?”

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