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Braço longo do expurgo anti-gulenista da Turquia

Braço longo do expurgo anti-gulenista da Turquia
agosto 29
11:55 2017

Centenas de quilômetros longe da turbulência em seu país nativo, Mustafa Emre Çabuk não esperava ficar enlaçado no sempre crescente expurgo da Turquia.

Çabuk, um diretor em uma escola turca na vizinha Geórgia, não tinha intenção de retornar para casa depois de passar mais de uma década no Cáucaso. Mas o governo do Turquia tinha outros planos.

Em uma manhã de quarta-feira em maio – um dia depois que o primeiro ministro turco Binali Yildirim se encontrou com seu colega georgiano Giorgi Kvirikashvili – a polícia de Tbilissi veio bater na porta de Çabuk para o deter. Ancara tinha requerido sua extradição para o colocar sob julgamento por terrorismo.

Desde que o Presidente Recep Tayyip Erdogan jurou “limpar” seu país de seus inimigos logo após a tentativa de golpe do ano passado, o expurgo da Turquia tem gradualmente se expandido para além de suas próprias fronteiras.

Dentro da Turquia, mas de 55.000 cidadãos foram presos por ligações com Fethullah Gülen, imã radicado nos EUA, que Ancara acuda de orquestrar o golpe fracassado. Ao mesmo tempo, a missão da Turquia de erradicar a influência de Gülen tomou dimensões globais – um esforço que as autoridades governamentais descrevem como cada vez mais importante.

A Turquia invariavelmente acusa todos os apoiadores de Gülen de filiação a uma organização terrorista, mesmo se o caso se baseia em culpa por associação.

“O alvo final para o governo turco é trazer pessoas com laços com a tentativa fracassada de golpe e/ou a organização terrorista gulenista de volta para casa para enfrentarem um julgamento pois a nação toda, especialmente as famílias das 250 pessoas mortas e das milhares de baixas, esperam que o governo as julgue,” contou Yunus Akbaba, um conselheiro de Yildirim, ao POLITICO.

Centenas de turcos acusados de terem ligações com Gülen fugiram para fora do país depois da tentativa de golpe, mas o movimento reservado do clérigo exilado – que Ancara classificou com uma organização terrorista – também tem uma longa história de atividade fora do país, administrando uma vasta rede de escolas, universidades, caridades, veículos de mídia e empresas por todo o mundo.

“Essa organização de alguma forma conseguiu tirar seus membros da Turquia antes e depois do golpe,” disse Akbaba. Enquanto suspeitos filiados a Gülen fugitivos permanecessem livres, a Turquia não poderia alcançar resultados reais em sua luta contra o movimento, acrescentou ele.

Entre os países ocidentais, os apelos da Turquia em sua maior parte não foram ouvidos, muito para a consternação de Erdogan. O presidente atacou repetidamente a Europa e os EUA por se recusarem a extraditar Gülen e seus seguidores.

Em outros lugares, Ancara teve mais sorte. Em maio, a Malásia e a Arábia Saudita entregaram suspeitos filiados a Gülen à Turquia; vários países fecharam escolas legadas a Gülen depois de virem a ficar sob pressão do governo turco.

Culpado por associação

A escola de Mustafa Emre Çabuk, o Colégio Demirel em Tbilissi, permanece aberto por enquanto. Mas no começo deste ano, o governo georgiano fechou o antigo local de trabalho de Çabuk, outra escola ligada a Gülen no balneário Batumi do Mar Negro.

A Turquia invariavelmente acusa todos os apoiadores de Gülen de filiação a uma organização terrorista, mesmo se o caso depender da culpa por associação. Çabuk não foi exceção.

Dadas as sérias alegações, ele foi sentenciado a três meses em detenção pré-extradição em 25 de maio. A Geórgia negou seu pedido por asilo; mais tarde em agosto, ele aparecerá diante de um juíz para lutar contra sua extradição.

“Enfrentar um acusação de terrorismo requer se envolver em um ato terrorista,” disse sua esposa Tuba. Ela insistiu que seu marido não havia cometido crime algum desse tipo. A acusação de Ancara repousa parcialmente na alegação de que Çabuk auxiliou um acionista do Colégio Demirel na venda de ações a uma instituição que fica nos EUA que se acredita ter ligações com Gülen.

Temendo pela segurança de seu marido, tuba Çabuk espera que o governo georgiano negará o pedido da Turquia. “A pessoas estão sendo presas injustamente lá e enfrentam tortura,” disse ela de seu país de origem. “Se o meu marido foi trazido de volta a Turquia, ele enfrentará problemas sérios.”

A Anistia Internacional apelou à Geórgia – que aspira se juntar à União Europeia – a não extraditar Çabuk, citando “risco de tortura e outros maus-tratos, julgamento injusto ou outras violações sérias dos direitos humanos.” Mas muito está em jogo para Tbilissi: a Turquia é a maior parceira de comércio da Geórgia.

“O meu marido é um homem gentil, mas eles falaram como se tivessem capturado Pablo Escobar” – Kamuran Tibik

Na própria Turquia, casos como o de Çabuk geram pouca empatia. A riqueza do movimento Gülen, combinada com sua estrutura interligada e sua infiltração de décadas no estado turco, levou alguns críticos a assemelhá-la a uma organização mafiosa.

Os apoiadores do movimento, por outro lado, alegam que ele seja um grupo vagamente conectado e pacífico que advoga por um Islã liberal. Em muitos países, suas escolas e colégios desfrutam de uma boa reputação. Mas a maioria dos turcos, tanto partidários do governo quanto opositores, veem o Movimento Gulen com suspeitas.

Perdidos na Malásia

Enquanto tentava persuadir países a fechar escolas e extraditar suspeitos, a Turquia encontrou outras maneiras de fazer a vida fora do país mais difícil para gulenistas.

Ancara cancelou numerosos passaportes, uma estratégia que veio à atenção internacional em maio quando Enes Kanter, um jogador da NBA, a liga de basquete profissional americana, foi detido em um aeroporto da Romênia depois que a Turquia anulou seus documentos de viagem. Kanter tem apoiado abertamente Gülen.

Em junho, o governo ameaçou arrancar de 130 suspeitos fugitivos suas cidadanias, efetivamente os deixando sem estado, se não retornassem. Vários veículos de mídia europeus relataram turcos tendo seus passaportes apreendidos ao visitarem missões diplomáticas turcas.

E enquanto que o governo turco até agora tem buscado caminhos legais para trazer de volta gulenistas suspeitos, membros das famílias de dois cidadãos turcos deportados da Malásia acusaram Ancara de circunscrever a lei internacional por completo.

Em outubro do ano passado, Kamuran Tibik relatou que seu marido estava desaparecido em Kuala Lampur. Tamer Tibik, um empresário turco com ligações a Gülen, não voltou de um curso de língua para casa e não respondeu a ligações.

A família Tibik tinha se relocado para a capital da Malásia um ano antes, desconcertados pela repressão do governo turco sobre empresas ligadas a Gülen, que precedeu o atual expurgo. Milhares de quilômetros de Ancara, eles se sentiram seguros.

Mas em 13 de outubro, Tamer Tibik não podia ser encontrado em lugar algum. Sua esposa e amigos procuraram por ele em hospitais e delegacias, sem sucesso. Alettin Duman, vizinho de Tibik, descrito por Ancara como o “imã” ou líder local do Movimento Gülen na Malásia, também estava desaparecido.

Dois dias depois, Mevlüt Çavusoglu, o ministro turco das relações externas, anunciou que a Malásia havia entregado “terroristas” sob o pedido da Turquia. “A nossa luta contra eles vai continuar até o fim, tanto dentro quanto fora do país,” disse ele.

“O passaporte dele ainda estava em casa. Nós entendemos então que ele foi sequestrado,” disse Kamuran Tibik. O discurso de Çavusoglu lhe pareceu irreal: “O meu marido é um homem gentil, mas eles falaram como se tivessem capturado o Pablo Escobar.”

Aterrorizada, ela fugiu da Malásia com suas filhas três dias depois do desaparecimento de seu marido. Desde então lhes concederam asilo; ela pediu para que o país fosse mantido em segredo por preocupações com a segurança de sua família.

Por semanas, elas não tiveram informações sobre o paradeiro de seu marido, até que sua sogra localizou Tamer em um centro de detenção em Ancara. Em uma carta, ele contou a sua esposa que seus sequestradores o levaram para uma floresta na Malásia, onde o interrogaram e torturaram.

Da mãe de Duman, Kamuran Tibik ouviu que os maus-tratos continuaram depois que os homens chegaram na Turquia: “Ela disse que eles foram torturados em um ginásio por algumas semanas. Eles batiam neles e lhes negavam comida.” Com o caso deles correndo, eles permanecem na cadeia.

“Não houve uma audiência na Malásia, nada” – Ismet Özçelik

Akbaba, o conselheiro do primeiro-ministro turco, negou que a Turquia havia tomado uma ação ilegal, alegando que Ancara havia cancelado os passaportes de Tibik e Duman e que a Malásia havia deportado eles por ficarem no país ilegalmente.

“Alegações de que a Turquia usa métodos ilegais ou aja deslealmente para extraditar suspeitos é uma total bobagem,” disse ele. “Se fosse o caso, o número de membros da organização terrorista gulenista extraditados para a Turquia não seria apenas de alguns.”

“Apesar de não estarmos felizes com as atitudes dos nossos aliados quanto a isso – de fato, não houve alguma extradição dos EUA ou da maioria dos aliados europeus até agora – nós nunca aplicamos quaisquer métodos ilegais,” acrescentou Akbaba. “A tortura é um crime sério e nós somos estritamente contra ela.”

Nenhuma audiência, nada’

Tibik e Duman não foram os únicos turcos que o governo da Malásia entregou para Ancara; em maio, três outros cidadãos turcos acusados de ligações com Gülen – um acadêmico, um professor e um empresário – também foram deportados.

O acadêmico, Ismet Özçelik, havia deixado a Turquia pouco depois da tentativa de golpe e se mudado para Kuala Lumpur, onde seu filho mais velho ensinava em uma escola ligada a Gülen. No começo de maio, enquanto estava em uma carro com seu filho e outros, eles foram parados e ele foi levado por um grupo de homens não identificados.

Dois dias antes, dois outros cidadãos turcos foram sequestrados de uma forma similar, de acordo com seus advogados. O ministro do interior da Malásia subsequentemente disse que eles haviam sido detidos por conexões com o Estado Islâmico, enquanto que a mídia turca pró-governo os identificou como terroristas legados a Gülen. O trio foi deportado uma semana depois.

“Não houve uma audiência na Malásia, nada,” disse Suat Özçelik, o filho mais novo de Ismet, que trabalhava no Zaman, jornal pró-Gülen líder, antes de fugir da Turquia no ano passado. Ele acrescentou que seu pai estava listado como uma pessoa em dificuldade pela Agência de Refugiados das Nações Unidas na Malásia. (A UNHCR não respondeu a pedidos de confirmação.)

Suat e outros membros da família Özçelik deram entrado no asilo em um país europeu, mas ele pediu que seus paradeiros fossem mantidos em segredo. Mesmo na Europa, ele não se sente seguro em relação ao braço longo do estado turco.

Ele tem motivo para se preocupar. No começo de agosto, a polícia espanhola parou Hamza Yalçin, um escritor de uma revista turca esquerdista, no aeroporto de Barcelona e o deteve para aguardar a extradição.

Yalcin, que emigrou para a Suécia em 1984, não possui conexões conhecidas com Gülen, mas é buscado pela Turquia por supostas ligações com o DHKP/C, grupo terrorista de extrema-esquerda, de acordo com a mídia espanhola. O Comitê para Proteger Jornalistas pediu por sua soltura imediata.

Fonte: www.politico.eu

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